Neste episódio falo sobre o caso da cidade de Olivença.
TRANSCRIÇÃO
Olá e bem-vindo de volta ao Portuguese With Leo!
Se não és português nem espanhol, provavelmente nunca terás ouvido falar sobre a cidade de Olivença.
E se fores português ou espanhol, talvez tenhas uma opinião forte sobre esta pequena cidade de pouco menos de 12 000 habitantes, localizada na província de Badajoz, comunidade autónoma da Estremadura, em Espanha…
Ou estará localizada no distrito de Portalegre, em Portugal?
Hoje vamos falar sobre um dos dois atuais conflitos territoriais entre os 2 países ibéricos. O outro é o das Ilhas Selvagens, mas isso é tema para outra ocasião.
Portugal e Espanha têm uma das fronteiras mais estáveis da Europa, conhecida em ambos os países como a Raia.
Quando o país luso conseguiu a independência do Reino de Leão, com a assinatura do Tratado de Zamora em 1143, D. Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal, começou a conquista de território para sul no período da chamada Reconquista Cristã.
Esta Reconquista terminou no ano 1249, durante o reinado de D. Afonso III, com a conquista do Algarve.
Meio século mais tarde, em 1297, Portugal assinou o Tratado de Alcanizes com o reino de Leão e Castela, definindo assim as fronteiras que se manteriam inalteradas durante quase 800 anos até aos dias de hoje… exceto a cidade de Olivença!
O que é que aconteceu então com Olivença durante este período da Reconquista Cristã?
Em 1230 Afonso IX de Leão, ajudado pelos Templários, conquistou o território da atual província de Badajoz, e como forma de agradecer os seus serviços, deu-lhes terras nas margens do Rio Guadiana.
Os templários chamaram à zona Oliventia e fundaram uma igreja e um castelo. Assim nascia Olivença.
Mais tarde nesse mesmo ano, 1230, Afonso IX morre e o reino de Leão une-se a Castela, formando o Reino de Leão e Castela. Leão e Castela é basicamente aquilo que, uns séculos mais tarde, viria a ser Espanha.
O neto de Afonso IX, chamado Afonso X, retirou a zona de Olivença do controlo dos Templários e a cidade passou passou a estar controlada pelo Reino de Leão e Castela.
E duas gerações mais tarde, no final do século XIII, o reino de Leão e Castela teve uma crise dinástica da qual o rei português D. Dinis se aproveitou se apoderar de algumas terras ao longo do rio Guadiana, entre elas Olivença.
Foi neste contexto que foi assinado o tal Tratado de Alcanizes entre os dois países em 1297, que definiu o desenho da Raia, e segundo o qual Olivença pertencia a Portugal. E efetivamente, Olivença pertenceu a Portugal até ao século XVII.
No episódio 14 deste podcast falei sobre a União Ibérica, um período de 60 anos entre 1580 e 1640 em que Portugal esteve sob o domínio espanhol.
Nesse episódio explico em detalhe como Portugal restaurou a sua independência graças a um golpe de estado no dia 1 de Dezembro de 1640, dia esse que é feriado nacional em Portugal.
O que eu não contei nesse episódio foi o que aconteceu depois desse golpe de estado:
Depois do dia 1 de Dezembro de 1640 houve várias batalhas entre Portugal e Espanha, que culminaram no Tratado de Lisboa de 1668, em que Espanha reconheceu a independência de Portugal.
Durante este conflito, conhecido em Portugal como Guerra da Restauração, Olivença foi ocupada por forças espanholas entre 1657 e 1668.
Em 1668 Olivença foi devolvida a Portugal, mas a geografia estava do lado de Espanha: o Rio Guadiana determina uma porção da fronteira entre Portugal e Espanha, e Olivença estava do “lado espanhol” deste rio, ligada a Portugal por uma única ponte que tinha sofrido danos durante esta Guerra da Restauração.
Ainda assim, a monarquia portuguesa manteve o controlo sobre a cidade até ao ano de 1801 em que, aliada à França de Napoleão, Espanha invadiu novamente Olivença no contexto da chamada Guerra das Laranjas.
Nesse ano Espanha e Portugal selaram o tratado de Badajoz, em que Portugal reconhecia a soberania espanhola sobre Olivença.
Portanto, Olivença foi fundada pelos Templários na primeira metade do século XIII, passou para o Reino de Leão e Castela na segunda metade desse século, e uns anos mais tarde, em 1297 foi dada a Portugal com a assinatura do Tratado de Alcanizes.
Desde então pertenceu a Portugal durante cerca de 500 anos até à assinatura do tratado de Badajoz em 1801 (exceto durante os 11 anos de ocupação espanhola entre 1657 e 1668).
Então se Portugal recebeu Olivença através de um tratado e depois cedeu Olivença através de outro tratado, porque é que há quem defenda que Olivença deve ser portuguesa? Vamos ver.
A Questão de Olivença é o nome que damos ao tema da devolução de Olivença a Portugal, e para alguns setores da sociedade portuguesa é um tema de orgulho nacional.
Apesar do Tratado de Badajoz ter definido a cedência de Olivença a Espanha, existe uma secção desse tratado que diz que este ficaria sem efeito caso alguma das partes quebrasse a paz.
E como já referi no episódio 48, sobre a Revolução Liberal Portuguesa, Napoleão, ajudado por Espanha, invadiu Portugal em 3 ocasiões diferentes poucos anos depois. Isso constituiu uma quebra da paz, e significa que o Tratado de Badajoz deveria ser anulado e Olivença devolvida a Portugal.
Além disso, em 1814 selou-se o Tratado de Paris entre quase todos os países da Europa, tratado esse que indicava que as modificações territoriais acontecidas durante as guerras napoleónicas no continente ficavam sem efeito.
Portanto, tudo deveria voltar à situação anterior às guerras napoleónicas, e nesse tratado falava-se especificamente da questão da devolução de Olivença.
Mas Espanha fingiu que não era nada com eles.
E um ano mais tarde, no Congresso de Viena, foi novamente decidido que a cidade deveria voltar a ser portuguesa.
Mas mais uma vez, Espanha fingiu que não tinha nada a ver com isso.
Em 1864 assinou-se outro tratado.
Este tratado entre Portugal e Espanha, o Tratado de Lisboa, tinha como objetivo definir as fronteiras entre os países e resolver dois conflitos territoriais: O conflito de Couto Misto e o conflito de Olivença.
O tema de Couto Misto ficou solucionado, mas a questão de Olivença ficou “em águas de bacalhau”, com a promessa de que seria resolvido em futuros tratados… que nunca chegaram.
As diplomacias dos dois países têm evitado o tema de Olivença desde o século XX.
As autoridades espanholas recusam reconhecer que é um conflito; enquanto que as portuguesas afirmam que “o problema de Olivença está congelado desde o Tratado de Viena de 1815”, mas também não pressionam muito.
A entrada na União Europeia dos dois países e as relações cada vez mais estreitas entre eles fazem com que este tema tenha passado para segundo plano na agenda diplomática e quase nunca é falado.
No entanto, nem toda a gente está contente com esta situação:
Em 1938 foi fundado o Grupo dos Amigos de Olivença, uma organização que defende que Olivença deve ser portuguesa e que até chegou a receber apoio institucional durante o regime de Salazar.
Após a revolução de 25 de abril, o grupo deixou de receber apoio do governo, e hoje em dia promove a cultura portuguesa na zona de Olivença. Normalmente fazem distribuição de material cultural português para as crianças da zona.
Caminhar por Olivença é como caminhar por uma cidade portuguesa.
Os passeios estão cobertos pela clássica calçada portuguesa e a arquitetura antiga de paços e igrejas também faz lembrar Portugal.
Existem até edifícios do estilo manuelino, um estilo arquitetónico português desenvolvido nos séculos XV e XVI, do qual o expoente máximo é o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa.
A língua portuguesa, infelizmente, está quase perdida hoje. Até finais do século XIX os habitantes de Olivença eram bilingues, e o português ainda era a língua predominante até à década de 1940.
A partir daí o espanhol começou gradualmente a substituir o português, e hoje em dia este só é falado como primeira língua por pessoas de mais de 70 anos de idade.
O português falado nesta zona, chamado português oliventino, tem algumas características interessantes.
Por um lado o ditongo EI /ɐj/ pronuncia-se /e/:
Cavaleiro fica “cavalero” e primeiro fica “primero”.
Por outro lado, existe um fenómeno conhecido como paragoge, que consiste na adição de um som a uma palavra, normalmente uma vogal.
Neste caso é comum a adição do som /i/ quando uma palavra termina em L ou R e a última sílaba é tónica:
Comer fica “comeri” e papel fica “papeli”.
Se já ouviste o episódio 52 deste podcast, em que comparo as características fonéticas de 8 sotaques portugueses, já deves ter percebido que estas características são típicas da região portuguesa em que Olivença está localizada: o Alentejo.
Este foi o resumo da história e situação atual da pequena região de Olivença.
Qual é a tua opinião? Achas que Portugal tem razão em reclamar este território que em teoria lhe pertence? Ou achas que deve continuar na posse de Espanha?
Ou acreditas na autodeterminação dos povos e achas que esta decisão cabe única e exclusivamente aos habitantes de Olivença, talvez através de um referendo?
É um tema que dá muito para pensar, e por hoje ficamos por aqui. Obrigado por teres assistido até ao fim e até à próxima!