No episódio de hoje exploramos o sotaque mais neutro de Portugal: o sotaque de Coimbra!
O meu convidado Lúcio também trouxe algumas expressões conimbricenses, consegues adivinhar o que significam?
TRANSCRIÇÃO
Olá e bem-vindo de volta ao Portuguese With Leo!
Neste canal falo muito sobre sotaques e hoje trago-te aquele que é considerado por muitos como o sotaque mais neutro de Portugal: o sotaque de Coimbra.
Para me ajudar a falar sobre este sotaque conto com a ajuda do meu amigo Lúcio, professor de português e conimbricense de gema, que para além de trazer o sotaque, também trouxe palavras e expressões típicas para eu adivinhar.
Mas antes de passarmos ao sotaque e expressões de Coimbra, vamos falar um pouco sobre esta cidade.
Coimbra é uma cidade do Centro de Portugal, capital do distrito de Coimbra e atravessada pelo rio Mondego.
Foi a capital de Portugal durante o primeiro século de vida do nosso país, até 1255, ano em que o Rei D. Afonso III e a sua corte se mudaram para Lisboa.
Uns anos mais tarde, em 1290, o rei D. Dinis fundou a Universidade de Coimbra: a primeira Universidade portuguesa e uma das mais antigas do mundo, que é considerada património da UNESCO.
Durante 2 séculos e meio a Universidade de Coimbra foi a única universidade de Portugal, e foi dela que nasceram as tradições académicas que ainda vemos hoje em dia e às quais eu já dediquei um episódio.
Foi também no ambiente estudantil da Universidade de Coimbra que nasceu aquele que é conhecido como Fado dos Estudantes ou Fado de Coimbra: um estilo de Fado em que se canta sobre a vida de estudante e as saudades de ser estudante.
Para além da sua importância cultural e académica, Coimbra foi o palco da história de Pedro e Inês: uma história de amor trágica que rivaliza com a história de Romeu e Julieta, mas com uma pequena diferença: esta aconteceu realmente!
Um dia hei-de te contar essa história trágica, mas para já quero falar-te sobre algo que não é nada trágico, é precisamente o contrário, que é o sotaque de Coimbra!
Bem-vindo Lúcio!
Obrigado! É um prazer…
Lúcio, tu és nascido e criado em Coimbra…
… E amado, não te esqueças.
Nascido, criado e amado e estudaste linguística, és professor de português, portanto és a pessoa ideal para nos falar sobre o sotaque conimbricense, não é?
Bem, eu espero, como nós dizemos na gíria do futebol, "vou tentar honrar a minha camisola".
Eu fiz um vídeo em que comparei o sotaque das principais cidades e Coimbra saiu como o mais neutro ou pelo menos, aquele que em teoria segue as regras da fonética: como é que se pronunciam ditongos, como é que se pronunciam consoantes, como é que se pronunciam vogais, etc… Mas a verdade é que tirando alguns detalhezinhos, o sotaque de Coimbra é muito parecido ao de Lisboa, ou pelo menos ao do Centro Sul, mais do que qualquer outro sotaque.
Sim.
Se eu não soubesse que tu és de Coimbra, acharia que és daqui desta zona.
Talvez ias conseguir entender bem, parece Lisboa mas…
Tem ali uma coisinha ou outra…
Para os arredores, não sei…
Mais ali para a Beira.
Para Santarém…
Exatamente, exatamente! É possível.
Sim.
E agora vamos ver então quais é que são as “característicazinhas” que são características do sotaque de Coimbra e que o distinguem sobretudo do sotaque de Lisboa. E a primeira é a pronuncia do ditongo OI vs OU.
Essa é boa.
Porque há palavras em português que têm duas versões da mesma palavra e normalmente uma versão tem o ditongo OI e outra tem o ditongo OU. Palavras como loiça/louça, loiro/lourom toiro/touro, etc… E vocês em Coimbra…
Nós falamos com o ditongo OI: toiro, loiça, loiro.
Ok.
E em Lisboa usamos mais OU, dizemos touro. Dizemos lavar a louça, não tanto loiça, acho eu. Já louro ou loiro, acho que aí falamos da mesma forma vossa, ou seja, dizemos louro para a folha de louro e loiro/loira para a cor do cabelo de uma pessoa.
Ainda no ditongo OU, uma das características dos sotaques do Norte que se perde no Centro e Sul do país é a pronuncia do ditongo OU, que é algo que em teoria está certo no Norte e errado no resto do país.
Exatamente.
Em Coimbra?
Nós dizemos, por exemplo, a palavra pouco nós falamos pouco. A palavra roupa nós falamos roupa.
Ou seja, igual a Lisboa e igual ao Centro Sul.
Sim.
Depois, ainda em ditongos, o ditongo EI. No Sul dizem “ê”. “Janêro”, nós dizemos Janeiro; no Norte há quem diga EI, há quem diga ÊI; no Alentejo não sei se dizem Ê ou ÊI.
“Janêro”.
Existem vários sotaque ao longo/um pouco por todo o país, Coimbra onde é que se posiciona com o ditongo EI?
Olha, isso é uma pergunta bastante complexa mas vamos separar as águas, ok? Por exemplo, vocês falam EI, no Porto fala-se ÊI, muito forte. Eu diria que nós, Coimbra, nós estamos ali no meio então, por exemplo, a palavra fevereiro, como o Porto fala ou fevereiro como vocês falam, nós falamos algo como fevereiro.
Ou seja, menos A mas não tanto E.
Exatamente.
Mas isso é uma diferença muito ligeira, mas uma diferença que não é ligeira e que eu acho que é das coisas que mais distinguem o sotaque de Coimbra do sotaque de Lisboa é as palavras acabadas em E L H O / E L H A. Portanto, o meu apelido é Coelho.
Não, o teu apelido é Coelho!
Coelho! Exato. E aí o som A é o som da letra A, é o A fechado. Portanto eu digo Coelho, estou a pronunciar o E com o som do A fechado, portanto, em teoria eu deveria dizer Coelho.
Outras palavras, vermelho, não vermelho. Espelho.
Eu digo espelho.
Foz do Arelho.
Foz do Arelho.
Fonte da Telha.
Fonte da Telha. E por aí fora… Portanto, mais uma situação em que Coimbra se fala da forma que teoricamente é o correto.
Outra questão em que mais uma vez os sotaques do Centro Sul são teoricamente um pouco menos neutros é palavras em que cortamos o I. Em Lisboa nós dizemos Filipa.
Nós dizemos Filipa.
Ou Filipe.
Filipe.
Exatamente. Ou a palavra piscina.
Piscina.
Exatamente. Ou disciplina.
Disciplina.
Pronto. Portanto, nós não pronunciamos o I, vocês pronunciam o I. No Norte também se pronuncia mais este I, e Lisboa e para baixo não tanto. Depois temos uma que não sei se é teoricamente correta… Dir-mi… ui, como é que se diz?
Dir-me-ás.
Dir-me-ás tu, obrigado (isto é da cerveja)! Dir-me-ás tu, que é a ligação entre palavras que acabam com o som /ʃ/ e palavras que começam com uma vogal ou com a letra H. Por exemplo: Os
Os.
Olhos.
Olhos.
Eu faria a ligaçao com Z, com o som /z/ e diria “os olhos”.
Ok, nós não. Nós faríamos a junção com o som de J e então seria “os olhos”.
Vamos para as aulas.
“Às aulas”.
E nós diríamos “vamos para as aulas”. Aqui já consegui identificar essa pronúncia no Sul, no Algarve, no Alentejo não tenho a certeza, São Miguel, nos Açores, sim, outras ilhas varia muito. E no Norte, Trás-os-Montes, pronto, no Porto e no Litoral acho que não tanto, mas não tenho a certeza. Portanto, esta não é daquelas pronúncias que é uma coisa no Norte, é uma coisa no Sul… Não. Esta é uma coisa que varia muito e portanto eu não te sei dizer o que é teoricamente correto.
Em termos gramaticais, quando uma palavra termina em S deves fazer o som de quê? /ʃ/…
Exato.
Mas o problema é que depois colocas quando começa uma palavra por uma vogal, deves fazer uma pequeno pausa entre o artigo e a palavra. Ou seja, devia ser feito o quê? “Os olhos”. Mas nós quando falamos, falamos mais rápido. Então para não haver esta pausa, porque nós sabemos que o S entre vogais é som de Z, como o exemplo de “casa”, nós falamos “os olhos” aqui em Lisboa, mas como nós temos muito mais /ʃ//ʃ/ no Centro, então acaba por ser o /ʒ/.
Não vou dizer que seja mais correto ou menos correto, mas eu vou-te dizer que em termos gramaticais, a pronúncia com o Z está muito mais próxima do que explica a gramática.
Bom! Explicação fantástica mas vamos passar da teoria à prática.
Vamos!
Vamos começar por uma que toda a gente de Coimbra, sem exceção, conhece.
Bora.
Palavra “jacó”.
Jacó
O que achas que é jacó?
Jacó com B?
J, jacó.
Não, mas com B no final? O nome?
Não, sem o B no final. Só J A C Ó.
Eu aprendi que jeco é uma forma de dizer cão no Porto. Tem a ver com isso?
Nada a ver. Poderia ser, mas não.
Jacó. E não é um nome? De ninguém?
Não é o nome de ninguém, é um nome comum.
Dá-me uma dica. Dá-me uma pista.
Ok, vou-te dar uma expressão: “mete isso no jacó”.
Pode ser muita coisa. Quando é que dizes essa expressão?
Todos os dias.
Ah “mete isso no jacó” é todos os dias.
Se quiser digo isso todos os dias, várias vezes ao dia.
É o caixote do lixo.
Caixote do lixo.
A sério?
A sério, é! Meter no jacó é meter qualquer coisa no lixo. “Testo”.
A esta eu sei. Esta também existe no Norte.
Sim.
O testo é a tampa do tacho.
Muito bem.
Temos aqui um tacho, uma panela mais especificamente,…
E o testo é o testo.
Bem, eu tenho que complicar aqui um bocadinho porque isto está muito fácil. Langão.
Langão!
Esta é tipica conimbricense.
Conimbricense. Langão. É um adjetivo? É uma coisa?
É relacionado a uma pessoa. Uma pessoa é langão.
É “langona”?
É langona ou langão. Neste caso, ele, langão, ela, langona.
E é positivo ou negativo?
Depende. Pode ser positivo, pode ser negativo. Mas vá, deixa-me pensar. É negativo. “Ah seu langão”
É mais negativo.
É mais negativo. Langão.
Preguiçoso?
Preguiçoso, muito bem. Langão é uma pessoa preguiçosa.
Lafugão. O que é um lafugão?
Lafugão.
Mesmo sentido. Pode ser um sentido negativo e também é relacionado a uma pessoa. Lafugão. O que achas que é um lafugão?
Um gajo que engana, um gajo que rouba. Trafulha.
Poderia ser mas não é. Um lafugão é uma pessoa que come demasiado rápido. “Não sejas lafugão! Come devagar!”
A sério?
“Não sejas lafugão! Come devagar!”
Eu sou um bocado lafugão.
Então pronto!
Eu não conhecia uma palavra para descrever isso. Agora já sei.
“Não sejas lafugão”
Diagnosticaste-me.
Cachopo ou cachopa.
É uma pessoa jovem.
Sim.
Um miúdo, uma miúda
É verdade sim, é o cachopo cachopa.
Nós não usamos muito mas reconhecemos.
Agora, uma outra relacionada com isto, que ele já vai saber o que é porque também não sei se em Lisboa se fala muito que é “canalha”.
Canalha, essa tem piada. Essa aí aprendi com o meu pai e é assim: A minha avó é de Viseu e o meu avô é de Oliveira do Hospital.
Muito bem, perto de Coimbra.
Portanto se calhar o meu pai apanhou deles, mas em Lisboa não se usa muito. Portanto qualquer lisboeta dir-vos-à, acho eu, que canalha, que também tem este significado , é uma pessoa de mau carácter. Um canalha ou uma canalha.
Exatamente.
Mas “a canalha” é os miúdos no geral.
A miudagem.
A miudagem, exatamente.
Gazeteiro.
Aposto que consigo adivinhar sabes porquê?
Ok, vamos a isso.
Porque eu devo ter lido isto em livros, mas é uma expressão que não se usa hoje em dia mas que já li alguns, que é fazer gazeta.
Que é faltar, não ir às aulas, não sei quê… Portanto suponho que gazeteiro seja uma pessoa que faz gazeta, portanto uma pessoa que falta, uma pessoa que não é assídua.
Não é assídua, isso mesmo.
Eu diria que isso deve ser antigo ou ainda se usa hoje em dia?
Ainda se usa, sim. Ainda se usa porque, lá está, Coimbra tem uma grande influência estudantil então…
Tudo o que está associado a aulas, mantém-se.
Ora bem, temos uma outra que é uma expressão típica de Coimbra que é “parece que és filho da parva de Tovim.” O que é que achas que isto quer dizer?
Bem… O que é que é o Tovim?
Tovim é uma zona de Coimbra.
Ok.
Pronto.
É uma zona mal frequentada?
Podemos dizer que é uma zona bem alta. Quando vais para lá tens que subir imenso.
Ok. E a parva do Tovim…
Uma pessoa parva é…
Pois é isso. Uma pessoa parva. Parece que és burro, parece que és otário, não sei…
Sim, quando alguém diz “és filho da parva do Tovim”, quer dizer “tu és maluco em fazer isso”, “tu és doido em fazer isso”, “isso vai para além das tuas capacidades”, “parece que és filho da parva de Tovim! Isso não vai dar certo!”. Também há uma expressão que nós dizemos que os brasileiros também dizem, que é esta: “Agora a Inês é morta”.
Isso tem a ver com Pedro e Inês?
Tem a ver com Pedro e Inês, que quer dizer que já é tarde demais. Já não há nada a fazer.
A sério?
É. Agora Inês é morta.
Não é a Inês está morta, é a Inês é morta.
A Inês porque ela é eterna. Quando D. Pedro ordenou fazer o túmulo dela, na sua posição inicial, os túmulos estavam postos lado a lado, e D. Pedro, o que ele fez foi, e vocês podem ver nas gravuras dos túmulos de D. Pedro e Inês quando forem ao Mosteiro de Alcobaça, vocês conseguem ver porque está toda a história.
Dica para que estiver a visitar Portugal.
É verdade. E no túmulo de D. Inês tem toda a sua história de vida desde quando ela foi assassinada até ao dia do Juízo Final, porque D. Pedro queria que ambos os túmulos tivessem pés com pés e pudessem no dia do Juízo Final olharem-se uma última vez antes de irem para o céu. É uma história muito bonita. Última?
Última.
Também relacionada com a universidade que apenas o estudante de Coimbra e que passou por Coimbra, estudou por Coimbra vai saber. A expressão tem a palavra cabra. Ok?
Ah, eu sei.
Pronto, então, quando nós dizemos “a cabra não tocou, espera aí”, o que é que isto quer dizer?
Esta eu sei! Esta eu sei porque apesar de não ter estudado em Coimbra, tudo o que tem a ver com tradições académicas em Portugal, falam um pouco sobre Coimbra e portanto a cabra é o sino da torre da Universidade de Coimbra.
É verdade. A cabra ainda não tocou.
Ou seja, calma que ainda há tempo.
Ainda há tempo, isso mesmo.
Haveriam mais expressões mas acho que estas são as essenciais, principalmente as pessoas que nasceram em Coimbra e foram criadas em Coimbra e amaram e foram amadas em Coimbra, não conhecessem. É isso!
Sim senhor, obrigado!
Grande abraço