No vídeo de hoje exploro o sotaque e expressões típicas de São Tomé e Príncipe com o meu amigo Abanilson!
Se estiverem em Lisboa, não se esqueçam de visitar o seu restaurante, o Leve-leve.
TRANSCRIÇÃO:
Olá a todos e bem-vindos de volta ao Portuguese With Leo.
Hoje trago-vos um episódio muito especial porque tenho aqui o meu amigo Abanilson de...
São Tomé e Príncipe.
São Tomé e Príncipe. Como nos episódios que fizemos sobre o Brasil e Angola, hoje vamos aprender um pouco sobre o português falado em São Tomé, algumas das expressões típicas, algumas palavras tanto do português de São Tomé como do crioulo falado em São Tomé, mas antes de passarmos a isso vamos só dar algumas informações sobre São Tomé.
São Tomé e Príncipe é o país mais pequeno de língua oficial portuguesa, tem apenas 205 mil habitantes e é composto por duas ilhas ao largo do Gabão, na África ocidental. A Ilha de São Tomé e a Ilha do Príncipe. E os nomes destas ilhas é porque foram descobertas no século XV, São Tomé no dia de São Tomé que é...
21 de Dezembro.
Obrigado. E o Príncipe foi descoberto no dia de Santo Antão (António).
Que é 17 de Janeiro.
17 de Janeiro. A Ilha do Príncipe, quando foi descoberta, chamava-se Ilha de Santo António, por causa do Santo António, e mais tarde, no início do Século XVI, em 1502, mudou-se o nome para Príncipe causa do príncipe de Portugal da altura.
O que é que tu me sabes dizer sobre o português de São Tomé? A forma de falar, as características assim no geral.
Dentro de São Tomé nós temos quatro dialetos. Temos o dialeto "forro", temos o "ngolá" que é na parte do Sul, temos o "lunguyè" que é a parte da Ilha do Príncipe, e depois temos uma parte minoritária que é o "tonga".
Que é em São Tomé? Ou no Príncipe?
Que é em São Tomé também. Mas usamos o português como a língua de negócio.
A língua franca, não é?
Exatamente, para nos comunicar. E muito, muito pouco, encontramos jovens e adolescentes a usarem dialeto de São Tomé.
Usam sobretudo o português.
Sobretudo o português mas.. usamos um português mais.. um português misto, com uma mistura do dialeto, e também temos algumas palavras estrangeiras que nós adicionamos ao nosso português. Então por isso preparei aqui umas brincadeirinhas para podermos tentar perceber as coisas.
Vamos lá ver. Normalmente essas palavras estrangeiras vêm quê? Do inglês? Ou vêm de outros países africanos?
Algumas vêm de países africanos. Do inglês temos muito, muito, muito poucas influências, não é? Mas vem mais, por exemplo mais da parte de, por exemplo, Angola, que é o "mambo", que é o "wi", "fezada", as coisas.
Essa já sei umas quantas porque eu fiz o vídeo sobre Angola. Quem estiver a ver e ainda não tiver visto esse vídeo, o link está na descrição. Aprendi "mambo", aprendi "wi", mas de certeza que há outras que eu não conheço.
Há muitas. Queres descobrir um são-tomense, é descobrir pelos R's, que nós, pouco dizemos, não dizemos o R. E se tu quiseres até falar o nosso dialeto, é só trocares muitas das letras, por exemplo, o R pelo L. Um "rato", dizemos um "lato".
A sério?
Exatamente, estás a ver? E "terra", "tela". Então, tens aquela troca porque nós não usamos os R's na nossa língua nacional. A mesma coisa fazemos, por exemplo, com o J, fazemos com o Z.
Em vez de "você é bom jogador", "você é bom zogador".
A sério?
É "zogador". Já trocamos ali algumas letras. Nós ali tentamos sempre fazer a mistura de palavras e de línguas, e muitas das vezes tentamos, comemos sempre as palavras. Imagina: "Ócê tá bebè quê?"
Eu estou a beber uma amarguinha.
Já percebeste, ou seja, tem que falar em português, mas... falei mais... "Ócê tá bebè quê?
Ou seja, vocês usam o "você", estou a reparar, como no Brasil, não usam o "tu". Não, dificilmente usamos o "tu". Quase, quase nunca.
E tu perguntaste-me "você está a beber o quê?" "Ócê tá bebè quê?".
Ya, "Ócê tá bebè quê?"
"Ócê tá fazè bobo pá!"
Eu percebi "você está a fazer" e percebi "pá".
Ya, e o "bobo".
"Bobo" deve ser tipo, estás a fazer para a palhaçada.
Exatamente. E o mesmo "bobo" também tem outra vertente, porque nós, numa só palavra conseguimos dar dois ou três significados diferentes. Imagina, podemos dizer também à mesma, "Ócê é bobo d'homé!"
Ah, "você é bobo de homem".
É tipo, você é um palhaço, é um totó.
Ou seja, já deu aqui duas vertentes, ou seja, "Ócê tá fazè bobo": estás a brincar. "Ócê é bobo d'homé": és um palhaço, aquelas vertentes.
Mas isso é mau. Ou é tipo entre amigos?
Depende, tem aquelas duas vertentes.
Depende do contexto.
Depende da forma como nós vamos dizer.
"Wê ku boka"
É para eu adivinhar?
Sim.
"Wê ku boka". Não faço ideia. Isso é crioulo?
É.
Não sei, "wê".. Pá, não tem nada a ver, pois não? Nunca vou chegar lá. "Boka" não é "boca" de certeza.
É "boca".
"Boka" é "boca"?
É.
Ok. "Wê ku boka". É um gajo que fala muito, é um fala barato, só diz asneira.
Eh pá, também está quase lá, mas neste caso já não seria assim. "Wê ku boka" quer dizer mais... Olho, boca. Como se fosse uma inveja. Quando estás a invejar algo a alguém nós dizemos "wê ku boka sa liba bô". Os olhos e a boca estão sobre ti ou alguém está a invejar-te. "Wê ku boka" é os olhos e a boca. "Wê ku boka sa liba bô".
Ou seja, tu dizes isso à pessoa que está a ser alvo da inveja.
Exatamente.
Quer dizer que outra pessoa está a invejar aquilo que ela tem.
"Kidalê ooo!" Eu estou a pedir um auxílio.
Ah isso é pedir ajuda?
É pedir ajuda, auxílio. "Kidalê ooo!". Exatamente.
Eu pensava que estavas a dizer alguma coisa, tipo, para mim, tipo Leo.
Não, não. Por exemplo, imagina, eh pá, agora eu quero dizer, Leo, eu digo "kidalê, porra, bom mambo!". Isto quer dizer que o "kidalê" já teve um outro significado.
Antes o "kidalê ooo!" era pedir um auxílio, e quando chega um prato ou um comer, algo de bom e tu dizes "kidalê, bom mambo!". Ou seja, neste caso, o "kidalê", dizendo numa forma mais soft, quer dizer algo de bom. É tipo uma surpresa, é surpreendente, tu estás a... estás a vangloriar...
É tipo "wow".
Ya, em vez de dizer "wow" dizes "kidalê, bom mambo", estás a ver?
"Bom mambo" eu sei por causa do vídeo do angolano, é tipo "boa cena". Em Portugal, assim mais calão, nós diríamos "boa cena". "Kidalê", eu nunca iria adivinhar.
"Bô san ngê di kobo-d'awa!".
Não faço ideia. Espera, diz lá isso devagar. "Bô" é tipo "tu", não é?
Exatamente, "san ngê di kobo-d'awa".
Tu.. Eh pá, só sei "bô". E só sei por causa da música "Bô tem mel". É de Cabo Verde?
É, é, é. É do Nelson Freitas, acho eu.
Exato, só sei por causa disso, mas o "san ngê" não sei.
San ngê di kobo-d'awa.
É o quê?
Isto quer dizer... Nós, em São Tomé, quando nós vemos um estrangeiro, um emigrante, um proveniente da Europa, nós dizemos "ngê di kobo-d'awa", é uma pessoa que vem do fundo do mar, porque dizem que as pessoas que são do fundo do mar são mais clarinhas, são brancas. Então dizemos "ngê di kobo-d'awa". Para poder distanciar e querer referenciar alguém que vem da Europa, nós dizemos "oh, ngê di kobo-d'awa".
O Leve Leve...
Leve Leve, que é o nome do teu restaurante, e leve-leve... Não sei. Eu acho, é assim, eu acho... Ou alguém me disse isto, ou alguém me contou isto, ou então sou eu que estou a imaginar coisas, mas leve-leve é uma expressão tipo "tudo tranquilo", "está-se bem", leve-leve, ou não?
"Hakuna Matata".
É?
"Hakuna Matata!".
É?
É quase lá.
É o quê, "leve-leve"?
Traduzindo palavra a palavra, acaba por ser mesmo "passito a passito", "piano piano", um dia de cada vez. Mas o leve-leve não é uma palavra...
É uma filosofia.
É uma filosofia de vida.
A sério?
É um modo de ser, é um modo de estar, é um modo de viver, de estar com a vida, porque a verdade é que São Tomé tem uma calmaria enorme, é o país do leve-leve. O dia amanhece muito cedo. Quatro, cinco da manhã, já é dia e já está a nascer o sol, e levamos o dia até dezoito, dezanove horas, e acabou o dia.
Pois.
Não há centros comerciais abertos, não há nada aberto, ou seja, a vida acabou por ali. Ser são-tomense é ser leve-leve.
Leo, "bô bila bi"?
Estou aqui.
"Bô tê tema!".
O quê?
Isto é uma expressão que se usa muito, também em São Tomé, quando as pessoas... não estás à espera de encontrar uma pessoa, e aquela pessoa acaba por aparecer. E então tem aquela expressão que nós gritámos que é: "Leo, bô bila bi?" Ou seja, "voltaste? Bô tê tema." És teimoso. E essa expressão usamos para, tanto em termos bom e mau.
O termo bom, naquela amizade, ou seja, foste jantar, foste comer e gostaste e voltaste a casa. E pronto, a expressão é boa. E uma coisa é, eu estou em conflito contigo, e tu voltas e eu estou-te a advertir. Tipo, "Voltaste? És teimoso.", ou seja, "vais levar!"
"Estás-te a habilitar". Nós dizemos "Estás-te a habilitar".
Exatamente, é a mesma, é a mesma expressão.
"Mambo rijo". Exatamente.
"Mambo rijo" é tipo uma cena bacana, uma cena boa.
"Mambo rijo", ya, "mambo rijo". Ou estás a passar e dizes "Poças, aquele é mambo rijo pá, bom paite!".
Bom paite?
Bom paite. É tipo, é a mesma coisa.
"Paite" é tipo "mambo", também?
Não, "paite" é tipo comida.
A sério? Mas usa-se para a comida então?
Tem duas vertentes. Usa-se para a comida: "Porra, esse paite é granda paite". Este comer é um grande comer.
Mas também usas "paite" para outras coisas?
Se eu te digo assim: "Porra, este mambo aqui é granda paite!". Isto quer dizer que é, é uma menina muito gira, muito boa.
Ah ok, exatamente.
Estás a ver, já tem aquelas duas vertentes do paite.
Ou seja, pode ser para a comida, pode ser para as mulheres...
[Expressão em crioulo que não percebi]
Eu não sei o que é que tu disseste mas... Bom paite mesmo.
Assim já não se diz bom paite.
Então?
Diz-se "bom doxi". Bom doxi quer dizer saboroso, gostoso. O "doxi" é a mesma coisa que dizer "doce".
Pois. É um "bom doxi" é que sabe bem. Mas não tem que ser doce para se dizer bom doxi. Ou seja, também podemos dizer "mina sa bom doxi". Estás a ver? A miúda é... é doce, tem os seus atributos.
Exatamente, exatamente.
Se garante.
Pá, agora estamos aqui nesta, nesta explosão de sabores. Só me faz lembrar o vinho da palma.
O quem?
O vinho da palma de São Tomé.
O vinho?
É o vinho extraído da palmeira.
A sério?
É. Como se fosse umas lágrimas das palmeiras e saem diretamente da palmeira para as mesas.
Não tens aí, não?
Não.
Não dá, claro.
Não porque depois é um vinho, muito difícil de transportar porque ele cria mesmo muita, muita, muito gás. É gaseificado. É igual aquela história do champanhe que engarrafas e depois salta as rolhas todas para o céu, é igual com o vinho da palma.
Vinho da palma, não conheço.
Tens de fazer uma visita a São Tomé.
Quando eu for a São Tomé já sei o que é que vou beber.
O vinho da palma. Mas São Tomé tem duas vertentes. Ou gostas, ou não gostas. E quando gostas, voltas, apaixonas, ficas, queres-te mudar. E quando não gostas, eh pá, não gostas.
Mas também deixo aqui um conselho, para quem quiser ir para São Tomé, tentem desligar o botão... porque vamos a um país diferente, uma experiência diferente, um povo diferente, uma cultura diferente, e só aí é que aproveitam mesmo o bom do país.
E acima de tudo, respeitar. Temos uma natureza ainda quase virgem, muito pouco explorada. O turismo também está em vias de ascensão, está em vias de desenvolvimento. Mas tentem desfrutar com equilíbrio, com sustentabilidade para que a geração futura conheça o país, que é o único país do mundo que está no centro do mundo, Leo.
A sério?
Latitude zero e longitude zero. Temos um marco, estamos mesmo no centro do mundo. Nós até temos um marco marcado no ponto, e há pessoas que metem o pé no Norte, no Sul, e dizem "estou no centro do mundo".
Muito fixe.
Passa mesmo no Ilhéu das rolas. E temos uma coisa que nós dizemos, "bi pya kwa ku wê bô". Ia-me esquecendo dessa, esta tem que ficar aí marcada. "Bi pya kwa ku wê bô", "Vem ver com os teus próprios olhos".
Espero que tenham gostado do vídeo, e que tenham aprendido algumas das expressões típicas de São Tomé, e aprendido um pouco mais sobre esta variedade do português que é bastante desconhecida ainda.
Quem estiver em Lisboa e quiser comer uma excelente refeição, que venha aqui ao Leve Leve.
Até para a semana, obrigado Abanilson, tchau, tchau.