O Dia 10 de junho é um feriado nacional em Portugal: o Dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades Portuguesas.
Neste episódio explico quem era Camões e falo sobre a sua vida e sobre a sua obra-prima: a epopeia Os Lusíadas.
TRANSCRIÇÃO:
Olá a todos e bem vindos de volta ao Portuguese With Leo!
Como muitos de vocês sabem, neste podcast faço episódios para quem está a aprender português ou simplesmente quem tiver interesse em saber mais sobre a língua, história e cultura portuguesas.
Sendo este um podcast focado sobretudo no Português Europeu e em Portugal, o episódio de hoje não podia deixar de ser sobre o feriado do dia 10 junho: o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
A data de 10 junho foi escolhida em 1880, por decreto real do rei D. Luís I, para comemorar nesse ano, 1880, 300 anos da morte de Luís Vaz de Camões, considerado o maior escritor de Língua Portuguesa, que morreu a 10 de junho de 1580, há exatamente 441 anos.
Camões é tão importante para Portugal, que a Língua Portuguesa é conhecida por muitos como a língua de Camões, e é precisamente sobre Camões que eu quero falar no episódio de hoje. Vou falar primeiro sobre a sua vida, uma vida muito interessante e recheada de aventuras, e depois sobre a sua obra-prima, a epopeia Os Lusíadas, que é considerado o livro mais importante da literatura portuguesa.
Luís Vaz de Camões nasce no ano 1524 em Lisboa, no seio de uma família de baixa nobreza. Quando Camões tem apenas 3 anos, a sua família muda-se para Coimbra para fugir à peste que assola Lisboa.
Camões cresce em Coimbra, onde recebe do seu tio Bento, o chanceler da Universidade de Coimbra, uma educação clássica, aprendendo Latim e História entre outras disciplinas, e lendo os grandes autores da literatura clássica e moderna. Moderna para o séc. XVI, obviamente!
Volta para Lisboa com cerca de 20 anos, onde, graças ao estatuto de nobreza da sua família, frequenta a corte do Rei D. João III. Camões era um homem de cultura e um intelectual, e é nestes tempos que se inicia na poesia. No entanto, era também um aventureiro que vivia uma vida boémia e promíscua, recheada de álcool e de mulheres.
Um homem assim aborrece-se facilmente e não consegue ficar muito tempo no mesmo sítio, e portanto, depois de pouco tempo em Lisboa, Camões alista-se como militar e serve durante 2 anos em Ceuta, no Norte de África, onde famosamente perde o seu olho direito numa batalha naval.
De volta a Lisboa, Camões volta à sua vida boémia, que o vê muitas vezes envolvido em lutas nas ruas da capital portuguesa. Numa dessas ocasiões, Camões tem o azar de ferir um empregado do Paço Real, o que faz com que vá parar à prisão.
Graças aos seus contactos na nobreza, Camões acaba por ser perdoado pelo rei e liberto da prisão, mas com a obrigação de servir Portugal na Índia.
Camões parte então para a Índia em 1553 na frota de Fernão Álvares Cabral, que é o filho de Pedro Álvares Cabral, o português a quem tinha sido atribuída a descoberta do Brasil, apenas meio século mais cedo.
Depois de uma difícil viagem ao largo de África, seguindo as pisadas de Vasco da Gama, que tinha descoberto o caminho marítimo para a Índia também meio século antes, Camões aporta em Goa em 1554.
Camões era já considerado um dos melhores poetas do seu tempo antes de partir para a Índia, mas acredita-se que os cerca de 15 anos que passou no Oriente tenham sido fundamentais para o seu desenvolvimento enquanto escritor e poeta, fazendo dele o melhor escritor português de todos os tempos.
Por um lado, na sua juventude Camões tinha tido acesso a uma excelente educação formal numa das melhores e mais antigas universidades da Europa, a Universidade de Coimbra, e por outro lado, o poeta era um dos primeiros escritores europeus a ver com os próprios olhos (ou no caso dele, com o próprio olho) as terras exóticas do Oriente, que tinham um clima tropical completamente diferente daquele que ele conhecia, uma fauna e flora exuberantes, sabores e cheiros completamente novos, e pessoas com roupas, costumes e tradições e de etnias completamente diferentes.
Acredita-se que esta mistura de influências tenha sido crucial para inspirar Camões, que escreveu durante estes tempos passados no Oriente a sua obra-prima, Os Lusíadas, que, como eu já disse, é considerada a obra portuguesa mais importante de sempre.
Camões passa os seus primeiros cerca de 8 anos em Goa, combatendo em expedições militares e escrevendo também várias obras literárias, tendo escrito também uma sátira anónima criticando a corrupção do governo local, o que faz com que, mais uma vez, acabe na prisão.
Mais uma vez Camões é libertado da prisão graças ao facto de ter amigos com cargos importantes, e é enviado para Macau com um pequeno cargo de administração local, onde fica durante 2 anos.
Reza a lenda que Camões terá escrito uma grande parte d’Os Lusíadas em Macau, numa gruta, onde atualmente está colocada uma estátua do seu busto.
Uma outra lenda muito conhecida é que, na viagem de regresso de Macau para Goa, o seu barco terá naufragado no rio Mekong, no Camboja. Camões sobrevive ao naufrágio, salvando-se não só a si próprio mas salvando também o manuscrito original d’Os Lusíadas, o qual leva numa mão acima da cabeça, enquanto com o outro braço nada até à margem. Agora imaginem fazer isto só com um olho!
Depois do naufrágio, Camões é resgatado e levado para Malaca, na atual Malásia, onde pela terceira vez passa mais uns tempos na prisão, acusado de roubo e fraude durante os seus tempos em Macau.
Mais uma vez é libertado e volta para Goa, onde passa mais um ou 2 anos, antes de decidir regressar a Portugal em 1567. Infelizmente para o nosso Camões, o capitão da nau em que ele embarca engana-o, e em vez de chegar até Lisboa, Camões só consegue ir até à província de Sofala, onde atualmente é Moçambique, onde acaba por ficar durante cerca de 2 anos, meio abandonado e em condições de muita pobreza.
Mais uma vez são os amigos de Camões que o safam, desta vez um tal Diogo do Couto, que o encontra em Moçambique, paga uma dívida de 200 cruzados que impedia Camões de viajar, e o leva até Portugal, onde chega a 7 de abril de 1570, cerca de 17 anos depois de ter partido para o Oriente.
Em Lisboa, Camões finalmente acaba de escrever Os Lusíadas e apresenta a obra ao rei D. Sebastião, que tanto gosta dela que decide que será publicada em 1572, e concede a Camões uma pensão anual de 15 mil reis.
Apesar desta pensão, Camões vive em condições de relativa pobreza e infelizmente vive o suficiente para saber da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, em que o rei D. Sebastião desaparece.
Depois do desaparecimento do rei, Portugal entra numa crise de sucessão que só fica resolvida 2 anos mais tarde, em 1580, que é o ano da morte de Camões e é também o ano em que Portugal perde a sua independência, passando a fazer parte do Império Espanhol e a ser governado pelo rei D. Filipe II de Espanha.
A meu ver, existe uma beleza trágica e poética no facto de Portugal deixar de ser um reino independente no mesmo ano em que morre o seu maior poeta e o escritor da obra nacional mais importante de sempre. O português é a língua de Camões, e quando Camões morreu, Portugal deixou literalmente de existir.
Agora que já falamos sobre a interessante vida de Camões, está na hora de falar sobre a sua obra mais importante, Os Lusíadas.
O que são então Os Lusíadas? Os Lusíadas é um poema épico, ou epopeia, que, como o nome indica, conta os feitos dos Lusos ou Lusitanos, que é uma forma de se referir aos portugueses.
Em relação à estrutura da obra, esta é composta por dez cantos, 1102 estrofes e 8816 versos. Cada estrofe está organizada em oitavas decassilábicas, ou seja, cada estrofe tem 8 versos, cada verso com 10 sílabas métricas, sendo a 6ª e 10ª sílaba sempre tónicas, e isto ao longo de toda a obra.
Todas as estrofes, ao longo de toda a obra, estão sujeitas ao mesmo esquema de rima, conhecida como oitava rima real ou oitava rima camoniana, uma vez que era muito usada por Camões, cujo esquema de rima era AB AB AB CC.
O que é que isto significa? Vamos analisar a primeira estrofe d’Os Lusíadas para perceber:
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram
Como puderam ouvir, o primeiro, terceiro e quinto verso rimam entre si, acabando todos em -ados. O mesmo acontece com o segundo, quarto e sexto verso, que acabam todos em -ana. Finalmente, os 2 últimos versos, o sétimo e oitavo, rimam um com o outro, neste caso acabando ambos em -aram. Daí o esquema AB AB AB CC. O A corresponde ao 1º, 3º e 5º versos, o B ao 2º, 4º e 6º, e o C ao 7º e 8º versos.
Vamos ver agora como é que está dividida a obra e qual é a história. A obra está dividida em 4 partes, que são as seguintes:
A Proposição, em que se introduz a história e se apresenta o assunto da obra e os seus heróis;
A Invocação, em que o poeta invoca as ninfas do rio Tejo, as Tágides, pedindo-lhes a inspiração para escrever;
A Dedicatória, em que o poeta dedica a obra ao rei D. Sebastião, que era o rei na altura em que Camões escreveu Os Lusíadas;
E finalmente, a Narração, que é a narrativa da história, sendo que no final há um epílogo a concluir a obra.
E qual é a história d’Os Lusíadas? Sendo uma epopeia, Os Lusíadas segue um herói, que neste caso é toda a nação portuguesa que, embora seja uma nação pequena, é pioneira em descobrir novos mundos.
Não nos podemos esquecer que Camões escreveu os Lusíadas numa altura em que Portugal era um dos maiores impérios do Mundo, juntamente com o Império Espanhol.
E é precisamente sobre a expansão deste Império Português que Camões fala n’Os Lusíadas. O enredo principal do livro é a viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia de Vasco da Gama e dos seus marinheiros, que aconteceu cerca de 75 anos antes da publicação da obra.
Ao longo do relato da aventura vivida por Vasco da Gama, Camões vai fazendo alusões a outros momentos gloriosos da História de Portugal, misturando história com Mitologia, com os próprios deuses do Monte Olimpo a intervir e a seguir os feitos dos portugueses.
Toda a obra é uma espécie de carta de amor a Portugal e à glória dos portugueses, e como já devem ter percebido, é influenciada pela própria vida de Camões, que seguiu ele próprio o caminho de Vasco da Gama até à Índia e passou grande parte da sua vida nos territórios portugueses do Oriente.
E para concluir, uma pergunta: Será que faz sentido ler Os Lusíadas hoje em dia, quase meio século mais tarde?
Para os portugueses que estiverem a assistir, acho que a resposta é sim. Como eu já disse várias vezes ao longo deste episódio, Os Lusíadas é a obra mais importante da literatura portuguesa, e acho que, se há livro que todo o português deve ler pelo menos uma vez na vida, é Os Lusíadas.
E a verdade é que todos aqueles que passaram pelo 9º ano do sistema de ensino português já leram pelo menos algumas partes da obra, por isso, porque não lê-la toda?
Para os falantes nativos de português de outros países, continuo a achar que é uma obra que vale a pena ser lida. Calculo que Os Lusíadas não tenha tanto significado para os lusófonos de outros países como tem para os portugueses, no entanto, continua a ser o maior poema épico da Língua Portuguesa e o seu autor o maior escritor da Lusofonia.
Já para os falantes não nativos de português, acho que é uma escolha pessoal que depende muito dos vossos gostos e objetivos com a língua portuguesa. Um poema do século XVI não será a coisa mais útil para aprenderem o português no século XXI, no entanto é um dos grandes clássicos da literatura mundial, e por isso, para aqueles que estiverem interessados por literatura e cultura portuguesa, acho que é um desafio interessante ler Os Lusíadas.
O único conselho que vos dou é que comprem uma edição com anotações e com explicações dos diferentes versos para que seja mais fácil perceber toda a história.
Espero que tenham gostado deste episódio e de aprender um pouco mais sobre o Príncipe dos Poetas e sobre a sua obra-prima.
E se quiserem ler a obra na íntegra, ela está disponível no site oslusiadas.org, o link está na descrição. A própria Wikipédia também tem um excelente resumo da história de toda a obra, canto por canto, o link também está na descrição.
Muito obrigado e até para a semana!