No último fim de semana tivemos duas grandes celebrações: o Halloween e o Dia de Todos os Santos. Neste episódio vamos ver um pouco da história por trás destas datas, bem como um dias mais negros da história de Portugal: o dia 1 de novembro de 1755.
TRANSCRIÇÃO:
Olá a todos e bem vindos de volta ao Portuguese With Leo!
Este fim de semana tivemos duas datas importantes. No sábado, dia 31 de outubro, foi o Halloween, também conhecido em português como Dia das Bruxas, e no domingo, dia 1 de novembro, foi o Dia de Todos os Santos.
No episódio de hoje vou falar sobre estas duas tradições e sobre uma grande catástrofe natural que aconteceu há duzentos e sessenta e cinco (265) anos no Dia de Todos os Santos e que marcou a História de Lisboa e de Portugal.
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Comecemos por falar sobre a origem destas duas celebrações, o Halloween e o Dia de Todos os Santos. Existem várias teorias para explicar as suas origens, mas a teoria mais aceite diz que vêm de um festival chamado Samhain, que era celebrado pelos povos Celtas das ilhas britânicas há milhares de anos. Este festival era celebrado a 31 de outubro e marcava a passagem do verão para o inverno.
Mais tarde, no ano 610 depois de Cristo, o papa Bonifácio IV iniciou uma celebração a 13 de maio em honra a todos os mártires da fé cristã. A palavra mártir significa uma pessoa que sofre tormentos ou a morte por defender e não renunciar a uma crença ou ideia. Em inglês é muito parecido, diz-se martyr.
Cerca de um século mais tarde, o papa Gregório III mudou a data desta celebração em honra aos mártires cristãos para o dia 1 de novembro, ou seja, um dia depois da celebração do Samhain, e o Dia de Todos os Santos passou a ser celebrado nessa data desde então até aos dias de hoje.
Só muito mais tarde, já no ano mil setecentos e quarenta e cinco (1745), é que temos o primeiro registo do termo Halloween, que vem do escocês All Hallows' Eve, e que significa “Véspera do Dia de Todos os Santos”.
Embora tenham esta origem comum, o Halloween e o Dia de Todos os Santos são ocasiões muito diferentes. O Dia de Todos os Santos, a 1 de novembro, é um feriado religioso em que não se trabalha e que os portugueses associam mais à parte religiosa de ir à missa.
Já o Halloween, no dia 31 de outubro, não é um feriado, é um dia normal de trabalho, mas à noite há sempre festa e as pessoas gostam de se mascarar e de festejar até de madrugada, até porque no dia seguinte é feriado e por isso não têm de trabalhar.
Embora seja uma tradição mais prevalente nos países anglófonos, ou seja, países onde se fala inglês, vê-se cada vez mais crianças e adolescentes a participar na tradição do trick or treat, ou em português: doçura ou travessura, em que vão às casas dos vizinhos bater à porta e pedir doces ou guloseimas. Como devem imaginar, este ano a coisa foi bem diferente devido à situação que estamos a viver em todo o mundo, e quase não houve festejos de Halloween.
Agora que já falámos um pouco da história e das tradições do Halloween e do Dia de Todos os Santos em Portugal, chegou a hora de falar de um dos acontecimentos históricos mais importantes: o terramoto de Lisboa de mil setecentos e cinquenta e cinco (1755).
Este terramoto ocorreu no dia 1 de novembro de 1755, o Dia de Todos os Santos, e teve um grande impacto a nível físico, psicológico, socioeconómico e político para Portugal e para os portugueses.
O terramoto foi tão importante e tão mortífero, que é ainda hoje considerado o maior sismo da Europa, com magnitudes entre 8.7 e 9 na escala de Richter, e levou ao nascimento da sismologia moderna. A sismologia é o estudo dos sismos ou terramotos, das ondas sísmicas e da estrutura da Terra.
No século XVIII Portugal era um país muito católico onde ainda se praticava a Inquisição. A Inquisição foi uma instituição da Igreja Católica que perseguia, julgava e punia as pessoas acusadas de cometer crimes contra a Igreja, e que marcou um período de muita intolerância e horror na História de Portugal.
Ora, o terramoto de 1755 teve lugar na manhã do dia 1 de novembro, entre as nove e meia (9h30) e as nove e quarenta (9h40) da manhã, precisamente no momento em que todas as pessoas da cidade estavam em igrejas a rezar a missa do Dia de Todos os Santos.
Por ser Dia de Todos os Santos, as pessoas acenderam velas nas igrejas e nas suas casas, que foram derrubadas por causa do terramoto e causaram incêndios por toda a cidade, incêndios que duraram até 5 dias.
Como se o terramoto e os incêndios não bastassem, houve também um maremoto ou tsunami que arrasou com a baixa de Lisboa, e matou todas as pessoas que desceram até ao rio para fugir dos fogos e dos edifícios em ruínas.
Foi esta combinação de calamidades: um terramoto mortífero, incêndios durante dias e um tsunami, que fizeram com que este dia, 1 de novembro de 1755, tenha sido um dos dias mais negros da História de Portugal.
Como já disse, este terramoto teve consequências a vários níveis. Em primeiro lugar, houve muita destruição e morte. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas tenham morrido, o que corresponde a um quarto (¼) da população de Lisboa.
Estima-se também que cerca de oitenta e cinco por cento (85%) dos edifícios de toda a cidade tenham sido destruídos. Estes edifícios incluem palácios, hospitais, igrejas e bibliotecas e a destruição das bibliotecas significa que se perdeu muito conhecimento e muita arte. Muitas obras foram destruídas.
Como já disse, Portugal era um país muito católico em que as instituições eram dominadas pelo clero. O facto de o terramoto ter acontecido no Dia de Todos os Santos, no preciso momento em que as pessoas estavam a rezar a Deus nas igrejas, levou a que muitos interpretassem esta catástrofe natural como um castigo divino, ou seja, um castigo de Deus.
Isto levou a que a população portuguesa se dividisse em pessoas muito religiosas que achavam que devíamos dar ainda mais poder à Igreja Católica para apaziguar a ira de Deus, e pessoas que começavam a renunciar às ideias religiosas e a dar primazia à ciência e ao Iluminismo.
Aqui utilizei algumas palavras difíceis: apaziguar, renunciar e dar primazia. Apaziguar significa acalmar algo ou alguém que está muito revoltado, fazer com que as coisas fiquem calmas e tranquilas. Em inglês diz-se to appease ou to placate.
Renunciar significa esquecer ou recusar algo que antes se queria ou em que se acreditava. Em inglês diz-se to renounce ou to forgo.
Finalmente, dar primazia a alguma coisa significa dar prioridade a essa coisa, colocá-la em primeiro lugar de importância.
Voltando à nossa história, destes dois grupos, os religiosos de um lado e os iluministas do outro, destacou-se o político Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido pelo seu título Marquês de Pombal. Ele era o Secretário de Estado do Reino de Portugal e considerava que a Igreja Católica estava a atrasar o progresso do país.
O Marquês de Pombal era um homem muito pragmático e que governava com punho de ferro. Depois do terramoto foi ele quem liderou a reconstrução de Lisboa e limitou o poder da Igreja Católica e da Inquisição, tendo até expulso a ordem religiosa dos jesuítas de Portugal.
Sob a liderança do Marquês de Pombal, a reconstrução de Lisboa foi inovadora e levou ao início do estudo das construções anti-sísmicas. A baixa Lisboeta foi completamente renovada e os edifícios que vemos hoje em dia são aqueles que foram construídos no século XVIII após o terramoto. Estes edifícios têm uma estrutura interna de madeira chamada gaiola pombalina, cujo objetivo é o de absorver as ondas sísmicas caso volte a haver um terramoto.
O Marquês de Pombal é um personagem histórico muito polémico, havendo quem o adore e quem o odeie. Há pessoas que consideram que ele foi um político exemplar e há quem considere que ele foi um tirano.
Um dos motivos pelos quais o Marquês de Pombal teve tanto destaque político depois do terramoto foi porque o rei daquela altura, D. José I, não era um bom governante e dependia muito dele. O Rei ficou tão traumatizado pelo terramoto que viveu o resto da sua vida num palácio de madeira e tendas e tinha pesadelos recorrentes sobre aquele dia.
O terramoto de Lisboa de 1755 foi um fenómeno tão importante a nível mundial, que levou a que grandes filósofos daquele tempo escrevessem sobre o assunto, como por exemplo Voltaire e Kant.
A verdade é que há tanto para falar sobre este acontecimento, que eu poderia ficar aqui uma hora a falar disto. Por isso, se estes temas históricos vos interessam e gostariam que eu fizesse mais episódios assim ou episódios mais longos, por favor deixem um comentário no iTunes ou enviem um email para leo@portuguesewithleo.com.
Para aqueles de vocês que quiserem saber mais sobre este tema e que já têm um nível avançado de português, sugiro que vejam o episódio do programa Conta-me História que fala sobre este tema. O link está na descrição deste episódio.
Como sempre, obrigado por me terem ouvido até ao fim, e vemo-nos no próximo episódio!